terça-feira, 20 de agosto de 2013

O grito

Silenciei por muito tempo, mantive o seu e o meu silêncio esquecidos na correria do tempo, na loucura da rotina e me habituei a ele. Me acostumei ao seu sorriso vazio e aos seus olhos embaçados, e mantive o manto de silêncio entre nós, até que ele não me ferisse mais. Me tornei grata por ele, porque a ausência de som abriu espaço para que a música da vida entrasse e permitisse que a voz mais importante de todas fosse novamente ouvida.  E um silêncio se sobrepôs ao outro, me preparando para as despedidas e as chegadas que logo vieram.

As malas e as caixas de papelão se encheram de palavras, histórias, passado e futuro. Haviam sempre beijos, até logos e nos vemos em breve, carregados de arrependimentos. A liberdade e a independência, afinal, tinham o seu preço pago em moedas de silêncio, à prestação de sorrisos, mas com juros altos de saudades.

Mesmo depois de tanto silêncio, algumas palavras voltaram a revisitar minha mente, meus lábios e minha caneta, se unindo ao ar que resolveu retornar aos pulmões. Mas elas vêm diluídas, como um floral de Bach, com poder curativo a longo prazo. E das palavras com ausência de som brotou um grito contra a falta de cor, e o mundo cinza se tornou um furacão de cores vivas e cheias de significados.


Me senti como alguém que abriu os olhos pela primeira vez e enxergou as cores, as formas e as belezas naturais, como alguém que ouviu pela primeira vez uma melodia e o canto de um passado, como alguém que sentiu pela primeira vez o ar entrando em seus pulmões e o perfume das flores.

A vida que a gente adia para depois daquela compra, daquele emprego, da faculdade ou da aposentadoria, surge em uma manhã qualquer e te cobra sorrindo irônica. Porque aquele compromisso já foi cumprido, o emprego te chamou, a aposentadoria chegou e o diploma da faculdade está pronto. Mas como uma mania, procuramos adiar mais uma vez a vida que deveríamos estar vivendo. Só que ela não desiste e me chama sutilmente para dançar, para pintar, para cantar, para escrever ou para andar de skate.

A vida grita com você e comigo, e me joga pra fora da cama...


“Chega de Silêncio!”


domingo, 27 de janeiro de 2013

Silêncio


O silêncio era ensurdecedor, mas eu preferia a sua companhia a qualquer outra conversa trivial. Ele tem se mostrado um bom ouvinte, porque quando nossa boca se cala, a mente e o coração se manifestam. Era possível ouvir os meus anseios, temores e ao mesmo tempo encontrar conforto e palavras amigas.

Naquela noite, até o mundo tinha silenciado, não havia as vozes dos ventos, o canto dos pássaros, o grito irritante das ambulâncias e viaturas. Não havia brigas ou o som de passos apressados, nem mesmo o barulho de asas ou patas de insetos que insistem em querer passar pela janela nos dias de calor. Não havia nada, apenas eu e o silêncio.

E ele resolveu me acompanhar durante o dia seguinte, de uma forma estranha, minha voz tinha perdido a força e eu já não a reconhecia mais. Mas a necessidade do meu silêncio, não significava ou explicava o seu. Permaneci na ignorância das palavras não ditas e das perguntas sem resposta.


Minha vida estava mudando, havia tanta coisa por vir e todo o seu interesse tinha sumido de uma hora para outra. E também havia tanta coisa que eu queria saber de você, mas naquele momento, havia um manto espesso de silêncio, um abismo ao invés de uma ponte. Seu rosto sem expressão, emoção ou um simples sorriso, tudo tinha desaparecido junto com o brilho nos seus olhos. E os abraços calorosos e sinceros, que esperava depois de tanto tempo, não vieram...

No entanto, como dizem, o tempo é o melhor conselheiro e remédio, e dessa forma, permiti que o silêncio ali permanecesse, dentro de mim e entre nós. E por mais solitário que fosse, o silêncio acabou por preencher os espaços ocos que haviam.

domingo, 20 de janeiro de 2013

A nuvem e o atlas


A melodia transcendental passou da tela para o meu espírito e enquanto eu andava de volta para casa, ela me envolvia de uma forma sutil e confortadora: a verdade verdadeira. Sabia que quando alguém diz que tem a verdade, na verdade, ela quer dizer que tem um milhão de perguntas a serem respondidas e que não poderão ser respondidas nessa vida e talvez nem na outra.

Mas algo havia silenciado dentro de mim, só para que aquela melodia pudesse ter espaço para ecoar e dançar e se expandir. Uma brisa leve soprava o mensageiro do vento, tornando a canção ainda mais real para os meus ouvidos humanos. Mas eu sabia que era mais além, do corpo e da alma, quem sabe até de outro mundo.

E a verdade verdadeira é que ninguém nunca sabe a ligação que tem com outras pessoas enquanto está vivendo ao lado delas, é preciso um terceiro olho distante para analisar e perceber quão longa é a esse elo e de que forma a sua atitude e escolhas pode influenciar no seu futuro. O seu presente é exatamente aquilo que você escolheu no passado, por meio de pequenas escolhas e detalhes que para o instante parecem insignificantes.

“Ser, é ser percebido. E assim, para conhecer a si mesmo só é possível através dos olhos do outro. A natureza de nossas vidas imortais está nas conseqüências de nossas palavras e ações, que vão, e estão se esforçando a todo instante.” (Sonmi-451 em A Viagem)



Ver tantas vidas entrelaçadas me fez pensar na minha própria vida e nas ligações fortes que tenho com tantas pessoas, algumas vem, mas passam e seguem o seu caminho longe de mim, outras vêm e ficam durante algum tempo e há ainda as que permanecem. Todas as pessoas que cruzam o nosso caminho têm uma espécie de carma conosco e nós temos com elas. E é exatamente a nossa atitude perante a vida que faz esse caminho ser como merecemos. Ninguém é totalmente ruim e nem totalmente bom, temos os dois lados, mas precisamos decidir qual deles alimentar e fortalecer.

De provas e expiações a regeneração, aquele momento que temos que escolher qual lado seguir. E esse caminho não será fácil, bem como todos aqueles que precisam ser trabalhados e aperfeiçoados. Mas o céu estará azul e o ainda haverá o canto dos pássaros se você souber ouvir. E as palavras curarão o mundo como sempre sonhou.

Sim, a melodia ainda avançava e fervia em seu peito, os acordes tinham ganhado o espaço e seguia adiante, pronta para encher o coração de outra pessoa e inspirá-la da mesma forma que fez com você.  Nem todos compreenderão de pronto, talvez seja preciso ver e rever muitas vezes para absorver a mensagem e a essência, mas o ritmo encantador deixará o seu corpo flutuando de volta para casa e onde toda e qualquer emoção precisará ser expressa de pressa, antes que a sensação se perca no meio das distrações mundanas.

E seu sorriso será solidário e haverá generosidade em seu coração, porque mais uma vez estava comprovado pela arte, e a discussão ganhará os corredores dos palácios, das escolas e das comunidades carentes. Há vida lá fora e em outras dimensões e em todos os lugares. Há vida em tudo. E sua ação de hoje influenciará em todo o mundo. Porque você pode ser uma gota em um oceano enorme, mas são de milhões de gotas que o oceano é formado. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A caixa

Ouvir um “Parabéns para você” pouco antes da ceia de Natal é estranho, ainda mais quando ninguém que você conhece  faz aniversário no dia 25 de dezembro, mas para compensar todos os fim de semana longe da casa dos meus pais, eles sempre dão um jeito de surpreender.


Aquela tinha se tornado uma tradição, não exatamente uma tradição, já que tinha acontecido só com a minha irmã, mas mesmo assim, a tradição da Caixa tinha chegado até mim. Uma vez formada, não exatamente, porque estava longe de receber meu diploma, a Caixa dos Significados era o presente de uma etapa importante de nossas vidas, e uma espécie de missão cumprida na educação dos filhos. Depois da ideia da minha mãe, muitas de suas amigas, já planejavam a Caixa para seus respectivos filhos.

Era um diploma de adulto, agora você está “criado e vacinado” e pode seguir o seu caminho. Eu e minha irmã já tínhamos seguido nosso próprio caminho há muito tempo, pois deixamos de morar na casa dos meus pais uns dois anos antes de terminar o curso superior, motivadas sempre pelo nosso desejo de liberdade, mudança e empregos.


Mas certamente, de todos os presentes que eu poderia ganhar, aquele era de longe o melhor presente de Natal que eu recebi. Porque naquela Caixa estava representada a minha vida e todas as coisas importantes nesses 22 anos.  A primeira roupa e os sapatinhos; a pulseira da maternidade; os primeiros cadernos da escola; a cópia de todos os cartões de aniversário, natal e dia das mães que escrevi; a boneca de pano; a xícara; o patinador; o livro; a coruja; a pena; a chave; a taça; o laço... Cada pedacinho de mim estava guardado e embrulhado em fitas e tecidos. Era a minha própria cápsula do tempo.

É impossível não se emocionar, não deixar o nariz vermelho, os olhos embaçados e uma vontade enorme de abraçar todo mundo, quando toda a sua trajetória transborda de dentro de uma caixa E quando você recebe o certificado de ser humano “criado e vacinado” das mãos trêmulas de sua mãe, ele vale mais do que o diploma de Jornalista e o peso do capelo. Porque nenhum presente do mundo poderia ter um significado maior do que deixar sua mãe orgulhosa.

Esse é o tipo de presente que quero dar para os meus filhos e eles aos deles, e a tradição da Caixa poderá permanecer na nossa família, nos lembrando dos verdadeiros valores da vida, da família e do Natal.

O cantor


E as manhãs eram muito parecidas, antes das 10 era impossível escrever alguma coisa ou raciocinar, a mente ainda dormia tranquila em sua própria sonolência. Tudo parecia devagar, mas era nas primeiras horas da manhã, entre o bom dia e as primeiras palavras escutadas, que a magia acontecia, bem ali sob minha janela.

Enquanto o escritório era impessoal, a luz, artificial e o som que predominava era o telefone, que insistia em tocar antes mesmo de poder ouvir a própria voz, lá fora a vida acontecia. Pássaros voavam, as árvores se esticavam preguiçosamente para receber os primeiros raios de sol, a grama reluzia a manhã e o jardineiro cantava. Alguns reclamavam de sua cantoria matinal, outros o ignoravam, mas o único pensamento que vinha a mente era: “Como ele é feliz!”. Havia ali até um tom de inveja: “Ele vai viver cem anos desse jeito...”.

Toda manhã, um senhor roliço e simpático passava o dia entre as plantas, cortava, limpava, aparava, reposicionava uma planta ali, outra flor aqui. No início, não me sentia muito confortável quando descansava quase em meditação no banco do jardim na hora do almoço, afinal ele sempre estava por ali observando. Mas com o tempo, me acostumei com sua presença quase etérea e agora, enquanto tento buscar uma inspiração entre notícias, palavras alheias e imagens bonitas, ele está sempre ali, cantando feliz e alegre, enquanto executa seu trabalho, que faz sem pressa, no seu próprio tempo e da natureza.


Lá fora é o seu lugar e onde se sente à vontade. Em dias de chuva, ele até cuida dos jardins de inverno, mas não se ouve sua cantoria pelos corredores. Algumas vezes já tentei prestar atenção na letra de suas canções, e uma delas, deve ser sua preferida, é uma espécie de louvor a Deus, quase um agradecimento diário por trabalhar em local tão lindo.

A área verde em que os prédios da empresa estão é enorme. Um morro às margens da represa cercado de altos pinheiros, uma propriedade com poucas construções, em que o verde predomina. Nem parece real, mais se assemelha a um mundo a parte, longe das cidades e até da realidade, com seu tempo e sua própria meteorologia, pois quando chove lá faz sol e quando faz sol, lá chove e muitas vezes nos perdemos em meio à neblina, que chega de repente. Brinco que aquele morrinho verde é o play ground de São Pedro.

Da sala sem cor, tento aos poucos trazer um pouco da natureza lá de fora, na minha mesa resistem duas mudinhas de plantas em um terráreo, que me lembram sobre a vida e a necessidade do contato com a natureza.

Gosto de imaginar que o jardineiro lá fora tem lá seus problemas, como qualquer outro ser humano, mas sem a pressão e estresse de um cotidiano cheio de tecnologias, ele vive mais feliz e poderia viver nesse espaço verde e enorme durante muitos bons anos. Ele aparenta estar beirando a meia-idade, mas seu rosto redondo e corado esbanja mais saúde do que todos os quase vinte jovens que trabalham na sala com vista para o jardim.