quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Liberdade


Era como se me permitissem respirar novamente, e meu peito se enchia de novos ares, novas oportunidades e possibilidades. Um peso enorme tinha saído das minhas costas e o meu peito não estava mais segurando o choro, pedindo para aguentar firme e não sucumbir ao cansaço. As tão esperadas lágrimas de alívio tinham vindo, junto com uma multidão de abraços orgulhosos. Um dia, é claro, não foi o suficiente para cair a ficha de que tudo tinha acabado, que era possível a partir de agora viver a vida que eu sempre quis e esperei. Mas que vida era essa?
No dia seguinte, do dia mais esperado de todo o ano, me dei um presente: um colar com um pingente de asa, era uma única asa negra com pequenos pontos brilhantes. De alguma forma, aquela forma se encaixava perfeitamente no momento que eu estava vivendo, mas principalmente, na fase que se iniciava a partir daquele dia. A sensação de dever cumprido tinha tomado conta de mim.

Desde pequena minha mãe sempre dizia, que nos criava para sermos independentes, por isso tínhamos que aprender a cozinhar, andar sozinha, pedir informação, literalmente, se virar. Os passos eram simples: aprender a cuidar de uma casa, estudar e tirar boas notas, ter uma profissão, aprender a lidar com o dinheiro e seus gastos. Todas as essas pequenas lições tinham o objetivo de nos colocar as asas necessárias para voar e buscar os nossos próprios horizontes.
Depois de obstáculos e dificuldades, a maratona tinha se tornado uma caminhada para aproveitar a paisagem que se descortinava à minha frente. E no ano, que dizem ser o fim, para mim é o começo. As asas, que foram plantadas, já estão vastas e alçando voos aos poucos, e mesmo com o frio na barriga, elas me levarão a novas aventuras. Sempre sonhei com elas, e agora, a menina que esperava crescer para voar, agora vive seu próprio futuro: formada, empregada, independente e livre!

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Onde mora a felicidade


Já a visitei inúmeras vezes, acho que até já perdi as contas, mas sempre é bom estar aqui de novo. No começo, espiava rapidamente pela janela, mas não entrava. Depois, fui convidada a entrar e passava algumas tardes gostosas em sua companhia, mas não me aproximava muito com medo de que ela se ofendesse.  Com o tempo, perguntei se ela me deixaria ficar um pouco mais, nessas horas adormecia em seu colo, onde encontrava consolo depois de tanto chorar.

Passei um tempo sumida e apesar das cobranças dela, não dei notícias nem fiz uma visitinha rápida durante um bom número de meses – ou será que foram anos? -, de qualquer forma, ela sempre deixou a porta aberta. 

Quando precisei voltar, pedi mil desculpas e inventei outras mil histórias por ter ficado longe. Ofereci meu dinheiro, meu cartão de crédito e minha conta bancária, em troca de sua companhia. Comprei-lhe presentes e mimos para que ela não me deixasse, mas ela não aceitou.  Brava, disse que não tinha preço e não podia ser comprada. E pediu que eu não aparecesse mais lá, enquanto não me lembrasse dos motivos que a fizeram me deixar entrar em sua casa.



Foi então que comecei a perceber todas as coisas que não tinham preço, e de uma forma incrível me transportavam de volta à sua porta. Depois de algum tempo, enquanto tentava me ocupar de coisas que pudessem me levar até sua casa, descobri certo dia, que ela não estava mais lá, tinha se mudado e nem ao menos tinha deixado um bilhete.

Me senti abandonada e comecei a chorar ali mesmo em seu portão, até que alguém atrás de mim me tocou o ombro. Era ela sorrindo com uma mala na mão, pronta a me acompanhar aonde quer que eu fosse. Desde esse dia, nunca mais me abandonou. Somos amigas e companheiras de viagem. Ela resolveu passar uma temporada em minha casa e não quis mais sair. Sorte a minha!

domingo, 30 de setembro de 2012

Uma mão



O dia e a noite se misturavam ao som de músicas velhas e conhecidas que a faziam companhia. Entre vitaminas e florais, ela tentava se manter acordada e viva para enfrentar mais um dia sem saber direito o que fazer, mas com a consciência de que uma pilha de pendências a esperava, em qualquer lugar. Não era possível fugir de tudo ou se esconder dos problemas, em algum momento, eles sempre a encontravam.

Mas ela estava com as pernas doendo de tanto correr, tudo o que precisava era se equilibrar com uma única perna no chão, abrir os braços e buscar um ponto fixo, logo a sua frente, em que pudesse confiar e que não se movesse, e que permanecesse sempre ali. Para conseguir, a sua concentração precisava ser total, nada ao redor poderia distrair.  Dessa forma, era possível até esquecer que apenas um pé está no chão e todo o resto do corpo está flutuando no ar. Mesmo assim, só aquele pequenino ponto a manteria em equilíbrio. E ele poderia ser qualquer coisa. Poderia ser qualquer um. Que simplesmente não a deixasse cair. 



Perdida em papéis e textos, ela buscava uma mão que a resgatasse. Que a chamasse para dançar mesmo estando de pijamas e descabelada. Que a fizesse companhia no sofá, enquanto escreve sem parar. Algo ou alguém que lhe devolvesse as cores e o rubor. Que lhe deixasse respirar, não que lhe tirasse o fôlego. Que a abraçasse e não que a sufocasse.  Um ponto fixo em que encontrasse o equilíbrio que tanto precisa.


Depois de tantos anos, a menina tinha se cansado da estrada longa, dos passos errantes, do pensamento sem parada. Queria a calma, o silêncio, o andar vagaroso e compartilhado, em que pudesse aproveitar a paisagem. Uma caminhada ao invés de uma maratona, que a inspirasse e que a enchesse de palavras. Porque finalmente tinha percebido que sem palavras, ela não era nada. 


domingo, 8 de julho de 2012

Branco


Fotos inspiradoras, comidas apaixonantes, histórias emocionantes... Aquela página em branco, pronta para se enfeitar de palavras e traços.

Mas a máquina fotográfica já não funciona mais, as paisagens bonitas perdem a chance de se tornarem eternas, se perdem na lembrança de um momento. A página em branco permanece em branco, as palavras sumiram e não há mais imagens para desenhar.

A mão enfraquecida apenas dói com o movimento repetitivo e o corpo deixa de existir com a rotina que se acumula.  A mesma paisagem, o mesmo dia, as mesmas pessoas. A alma se desmancha perdida em um mundo que não lhe pertence e esquecida de quem é. A mente se inquieta e enlouquece.

E quando chegamos à loucura, quando toda a razão já se foi, é a hora de fechar os olhos viciados, recolher a alma desmanchada e encontrar o corpo humano. O ser-máquina ainda luta com a sensibilidade do espírito, mas ele se cansa facilmente e agora está jogado em um canto, abandonado e sem forças.



Depois de meses vivendo quase no piloto-automático, era preciso parar e respirar, para lembrar que ainda estava viva. Quando paramos e esquecemos a loucura da vida na Terra, é preciso lembrar quem costumávamos ser, o que costumávamos sonhar. E o grito da arte ecoa pelos corredores. Afinal, a arte é a expressão da alma.  Faxina, da casa, do corpo e da alma. É preciso um tempo de reabilitação!

Estou fechada para balanço, é tempo de jogar fora o que não serve mais, renovar as cores, o cabelo, as bijuterias, as roupas e os pensamentos.  Achar a inspiração em algum lugar no mundo lá fora ou aqui dentro.
Reencontrar a garota dos laços e brincos delicados, a menina do rock e das roupas estilosas, até a moça meio hippie, cheia de teorias e meditações.

Voltar às palavras é difícil, aos traços é pior ainda. Mas os primeiros passos já foram dados. As  páginas em branco começam a ser preenchidas...


quinta-feira, 29 de março de 2012

Abstinência

Não me lembro quando foi a última vez que escrevi, só sei dizer que voltei, de algum lugar que não sei dizer o nome. Mas que me levou a ficar sem me sentir viva o suficiente. Aquele momento, que a maior parte das pessoas passa, e nos sentimos ocos por dentro, como se nada do que você tenha feito antes, tenha valido a pena, e todos os sacrifícios que faz agora não servirão para nada no futuro. O tempo e as pessoas sempre nos provam que estamos errados sobre isso e sobre um monte de coisas sobre o mundo.

A verdade é que o mundo gira muito rápido e se não fincarmos os pés bem fundo na terra, vamos ser lançados para fora do planeta e ficaremos orbitando em volta, sem nunca conseguir viver dentro dele de verdade. Nada é permanente ou absoluto, nada é eterno ou pretende ser – nem deveria ser. A mudança é fundamental para a evolução, e sem ela ficaríamos parados num mesmo lugar com medo do que pode nos atingir. A transição é o que nos faz mais fortes, é o que nos faz jogar tudo para o alto e recomeçar do zero – mesmo que não saibamos onde exatamente é esse ZERO.


Existem universos inteiros a serem descobertos dentro de nós mesmos e um mundo inteiro para ser visto lá fora. Mas veja lá... É para ser visto, não entendido ou julgado. Porque se você sair com o objetivo de entender e julgar tudo a partir da sua visão, pode acabar cego ou louco. É melhor apreciar e agradecer do que destruir e esbravejar. Veja, mas saiba o que vê... Enxergue de verdade, pois há muita sabedoria só de observar.

Ver faz parte de sentir e quando você sente, aí sim... Você vive.


Deixar de escrever e de desenhar e de pintar... Me fez lembrar isso. Não fiquei SEM me expressar por que quis. A inspiração foi embora assim como o tempo, aquele coelho branco que vive fugindo de nós, quando corremos atrás dele.

Tudo me deixou por um período, aquele momento de abstinência que experimentamos em algum momento de nossas vidas ou talvez, em vários momentos. Qualquer coisa que podemos “julgar” como importante um dia se vai e nos deixa vazio. COMPLETAMENTE vazio. Mas como não podemos entender o mundo, muito menos a vida em si. Nada e nem ninguém fica vazio por muito tempo, e às vezes a necessidade da abstinência está justamente em esvaziar tudo o que  julgamos “importante” para nos encher novamente - e lentamente - de tudo que é REALMENTE importante.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Você acredita em milagres?


Para quem procura uma leitura agradável  e uma companhia inseparável para uma viagem longa ou uma tarde preguiçosa, a primeira edição traduzida para o português de Morte e Vida de Charlie St. Cloud é perfeita. À primeira impressão e, talvez uma insensível, a história parece leve e despretensiosa, quase adolescente. porém, não é o que se concluí após uma reflexão das 304 páginas deste livro.

Antes de conquistar a crítica que elevou Morte e Vida de Charlie St. Cloud como best-seller nos Estados Unidos e estar na lista dos mais vendidos do The New York Times, o jornalista Ben Sherwood, formado nas Universidades de Harward e Oxford, começou a carreira na ABC News em Nova York e hoje é produtor executivo da NBC. Sherwood já recebeu o Emmy pela cobertura da guerra em Kosovo, e o prêmio Edward R. Murrow, pela edição de notícias. Atualmente, mora em Nova York e escreve seu segundo romance.

A história que o consagrou como escritor, começa em uma pacata vila de pescadores da Nova Inglaterra, onde o jovem Charlie St. Cloud resolve trabalhar no cemitério em que Sam, seu irmão mais novo, morto em um acidente de carro, está enterrado. Charlie foi o único sobrevivente do acidente e recebe o dom de ver  e conversar com o espírito de Sam. Para ficar mais perto de seu irmão, ele deixa seus sonhos para trás e abdica de viver sua vida de forma completa. No entanto, a chegada de Tess Carol, uma mulher independente que está treinando para navegar sozinha ao redor do mundo em um veleiro, neste mundo tão particular, os obriga a fazer escolhas.



Com uma lição de fé e desapego, esta é uma obra que nos faz refletir sobre a ordem das coisas e a razão para que elas aconteçam. É impossível não se emocionar com o desenrolar de uma trama bem feita e detalhada, ainda mais quando ela traz considerações tão particulares. Até que ponto você está disposto a se desapegar de seu passado e sua culpa? E quão fundo você quer chegar para descobrir um pouco mais sobre si mesmo?

 Às vezes a vida nos coloca naquela situação que é preciso fazer alguma coisa, sair da zona de conforto, enfrentar a realidade e assumir a missão que nos é dada. Mais do que entretenimento St. Cloud carrega nossas dúvidas, inseguranças e angústias da vida, mas principalmente, joga em nosso colo aquela pergunta que está além do pensamento racional e dos olhos humanos: Você acredita em milagres?

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Batalha de Argel

"Começar uma revolução é fácil, difícil é continuá-la e mais difícil ainda é vencê-la", essa é uma das frases de A  Batalha de Argel. Baseado em fatos reais e com a fotografia envolvente de Marcello Gatti, a obra de Gillo Pontecorvo carrega o peso político das vivências de seu próprio diretor. O falecido cineasta italiano, nascido em Pisa, emigrou para Paris no período da ditadura fascista de Mussolini. Passou a fazer contato com a resistência italiana, e se filiou ao Partido Comunista em 1941. Mesmo graduado em química, trabalhou como jornalista e dirigiu a revista comunista quinzenal "Pattuglia" (Patrulha).

A partir dos anos 50, dedicou-se ao cinema, dirigindo documentários. Sua estreia na ficção foi com Giovanna, episódio do filme Die Vind Rose, (1954) sobre uma operária da indústria têxtil. Dirigiu também A Grande Estrada Azul (1957), Kapò (1959), Queimada! (1969), Ogro (1980), O adeus a Enrico Berlinguer (1984), Firenze, il nostro domani (2003). Entre 1992 a 1996, Pontecorvo foi o diretor do Festival de Cinema de Veneza.

Em 1965, foi a vez de A Batalha de Argel. O filme se passa na cidade de Argel, na Argélia. entre 1954 a 1962, durante  o período de transição entre o colonialismo francês e a independência argeliana. Uma cidade que se divide  entre a Casbah e o bairro europeu, mas essa divisão não é só territorial, ela é principalmente cultural, já que a Argélia sofre com o colonialismo francês há 130 anos.

É neste cenário de conflito que nasce o grupo de resistência FLN (Frente de Libertação Nacional) com os chefes Omar Ali ( Ali La Poente), Jaffar, Ramel e Si Murad. Mostrando as ações de ambos os lados, o filme apresenta todas as formas de violência disponíveis em uma época de conflito, sejam os métodos de tortura e prisão, como os de atentados a civis.


Sem eleger nenhum personagem como principal, a obra resolve dar um panorama quase documental dos chefes envolvidos, tanto os "cabeças" da organização clandestina, como o experiente Coronel Mathieu, escolhido especialmente para "lidar" com o conflito. 

Os 117 minutos e a imagem bem antiga de A Batalha de Argel pode cansar um pouco, principalmente na primeira parte em que os personagens e o contexto é apresentado. Porém, do meio para o final, os paralelos com a nossa própria história e com os conflitos contemporâneos prendem mais a atenção, levando os espectadores a uma reflexão real de que o cinema não tem tempo de validade.

A Batalha de Argel venceu o Grande Prêmio do Festival de Veneza, além de ter sido indicado a três Oscars, como melhor roteiro original, melhor diretor e melhor filme estrangeiro.

Ficha Técnica:
A Batalha de Argel (La Battaglia di Algeri, Argélia/Itália, 1965 - Casbah Films e Igor Film)
Longa-metragem, 117 min.Direção: Gillo Pontecorvo; Roteiro: Gillo Pontecorvo e Franco Solinas
Música: Ennio Moricone e Gillo Pontecorvo; Fotografia: Marcello Gatti
Elenco:  Brahim Haggiag, Jean martin, Yacef Saadi, Samia kerbash, Ugo Paletti, Fusia El Kader, Mohamed Ben Kassen.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Eterna Estrada

A história de um padre andarilho e suas marcas deixadas na Região

Parte 7 - Final

Assim como sua missão, Anchieta não via limites para suas andanças, tanto que em uma carta escrita em março de 1555, ele conta aos irmãos de Coimbra, "aprendi cá um ofício, que me ensinou a necessidade, que é fazer alpargatas, e sou já bom mester; e tenho feito muitas para os irmãos, porque não se pode cá andar pelos matos com sapatos de couro".

Sua experiência o levou à terras distantes e diversas vilas, como a que se formou onde atualmente está a cidade de Peruíbe. Lá foi construído pelos índios o Mosteiro de São João Batista, que se tornou um ponto importante de catequese,além de pouso e abastecimento de viajantes. Anchieta esteve por aquelas bandas, alguns dias que antecederam dua ida à aldeia de Iperog, em missão de preparo para o armistício com os Tupinambás de Ubatuba. Hoje, o Mosteiro é conhecido por Ruínas do Abarebebê, em referência ao Padre Leonardo Nunes, também chamado de Padre Voador.

Enter suas caminhadas chegou à São Paulo, Rio de Janeiro e enfim em Espírito Santo, onde fechou os olhos pela última vez aos 63 anos, no dia nove de junho de 1597, na cidade de Reritiba. Atribui-se a colonização desta região capixaba à Padre Anchieta, que no decorrer de uma viagem em 1569, fundou a povoação. A vila foi elevada à categoria de cidade somente em 1887, recebendo assim o nome que continua até hoje: Anchieta.

Para onde quer que se vá o nome do jesuíta está lá, dessa forma todos os caminhos levam ao padre. Um bom exemplo é a via Anchieta, principal ligação para nada menos que o litoral sul de São Paulo. Tornando, assim, impossível não encontrar com o personagem em alguma esquina.

Uma avenida em Peruíbe; uma praça em Praia Grande; um bairro em Itanhaém e uma rua em Santos, São Vicente e Mongaguá. Um caminho e um destino, sua missão de andarilho permanece subentendida e eternizada por uma estrada.

Porém, cinco séculos depois da passagem de Padre José de Anchieta pela Região, suas pegadas marcadas nas areias das praias das cidades, hoje somem com as ondas da modernidade.