E as manhãs eram muito parecidas,
antes das 10 era impossível escrever alguma coisa ou raciocinar, a mente ainda
dormia tranquila em sua própria sonolência. Tudo parecia devagar, mas era nas
primeiras horas da manhã, entre o bom dia e as primeiras palavras escutadas,
que a magia acontecia, bem ali sob minha janela.
Enquanto o escritório era
impessoal, a luz, artificial e o som que predominava era o telefone, que
insistia em tocar antes mesmo de poder ouvir a própria voz, lá fora a vida
acontecia. Pássaros voavam, as árvores se esticavam preguiçosamente para
receber os primeiros raios de sol, a grama reluzia a manhã e o jardineiro
cantava. Alguns reclamavam de sua cantoria matinal, outros o ignoravam, mas o
único pensamento que vinha a mente era: “Como ele é feliz!”. Havia ali até um
tom de inveja: “Ele vai viver cem anos desse jeito...”.
Toda manhã, um senhor roliço e
simpático passava o dia entre as plantas, cortava, limpava, aparava,
reposicionava uma planta ali, outra flor aqui. No início, não me sentia muito
confortável quando descansava quase em meditação no banco do jardim na hora do
almoço, afinal ele sempre estava por ali observando. Mas com o tempo, me
acostumei com sua presença quase etérea e agora, enquanto tento buscar uma
inspiração entre notícias, palavras alheias e imagens bonitas, ele está sempre
ali, cantando feliz e alegre, enquanto executa seu trabalho, que faz sem
pressa, no seu próprio tempo e da natureza.
Lá fora é o seu lugar e onde se
sente à vontade. Em dias de chuva, ele até cuida dos jardins de inverno, mas
não se ouve sua cantoria pelos corredores. Algumas vezes já tentei prestar
atenção na letra de suas canções, e uma delas, deve ser sua preferida, é uma
espécie de louvor a Deus, quase um agradecimento diário por trabalhar em local
tão lindo.
A área verde em que os prédios da
empresa estão é enorme. Um morro às margens da represa cercado de altos
pinheiros, uma propriedade com poucas construções, em que o verde predomina.
Nem parece real, mais se assemelha a um mundo a parte, longe das cidades e até
da realidade, com seu tempo e sua própria meteorologia, pois quando chove lá
faz sol e quando faz sol, lá chove e muitas vezes nos perdemos em meio à
neblina, que chega de repente. Brinco que aquele morrinho verde é o play ground de São Pedro.
Da sala sem cor, tento aos poucos
trazer um pouco da natureza lá de fora, na minha mesa resistem duas mudinhas de
plantas em um terráreo, que me lembram sobre a vida e a necessidade do contato
com a natureza.
Gosto de imaginar que o jardineiro
lá fora tem lá seus problemas, como qualquer outro ser humano, mas sem a pressão
e estresse de um cotidiano cheio de tecnologias, ele vive mais feliz e poderia viver
nesse espaço verde e enorme durante muitos bons anos. Ele aparenta estar
beirando a meia-idade, mas seu rosto redondo e corado esbanja mais saúde do que
todos os quase vinte jovens que trabalham na sala com vista para o jardim.
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