quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O cantor


E as manhãs eram muito parecidas, antes das 10 era impossível escrever alguma coisa ou raciocinar, a mente ainda dormia tranquila em sua própria sonolência. Tudo parecia devagar, mas era nas primeiras horas da manhã, entre o bom dia e as primeiras palavras escutadas, que a magia acontecia, bem ali sob minha janela.

Enquanto o escritório era impessoal, a luz, artificial e o som que predominava era o telefone, que insistia em tocar antes mesmo de poder ouvir a própria voz, lá fora a vida acontecia. Pássaros voavam, as árvores se esticavam preguiçosamente para receber os primeiros raios de sol, a grama reluzia a manhã e o jardineiro cantava. Alguns reclamavam de sua cantoria matinal, outros o ignoravam, mas o único pensamento que vinha a mente era: “Como ele é feliz!”. Havia ali até um tom de inveja: “Ele vai viver cem anos desse jeito...”.

Toda manhã, um senhor roliço e simpático passava o dia entre as plantas, cortava, limpava, aparava, reposicionava uma planta ali, outra flor aqui. No início, não me sentia muito confortável quando descansava quase em meditação no banco do jardim na hora do almoço, afinal ele sempre estava por ali observando. Mas com o tempo, me acostumei com sua presença quase etérea e agora, enquanto tento buscar uma inspiração entre notícias, palavras alheias e imagens bonitas, ele está sempre ali, cantando feliz e alegre, enquanto executa seu trabalho, que faz sem pressa, no seu próprio tempo e da natureza.


Lá fora é o seu lugar e onde se sente à vontade. Em dias de chuva, ele até cuida dos jardins de inverno, mas não se ouve sua cantoria pelos corredores. Algumas vezes já tentei prestar atenção na letra de suas canções, e uma delas, deve ser sua preferida, é uma espécie de louvor a Deus, quase um agradecimento diário por trabalhar em local tão lindo.

A área verde em que os prédios da empresa estão é enorme. Um morro às margens da represa cercado de altos pinheiros, uma propriedade com poucas construções, em que o verde predomina. Nem parece real, mais se assemelha a um mundo a parte, longe das cidades e até da realidade, com seu tempo e sua própria meteorologia, pois quando chove lá faz sol e quando faz sol, lá chove e muitas vezes nos perdemos em meio à neblina, que chega de repente. Brinco que aquele morrinho verde é o play ground de São Pedro.

Da sala sem cor, tento aos poucos trazer um pouco da natureza lá de fora, na minha mesa resistem duas mudinhas de plantas em um terráreo, que me lembram sobre a vida e a necessidade do contato com a natureza.

Gosto de imaginar que o jardineiro lá fora tem lá seus problemas, como qualquer outro ser humano, mas sem a pressão e estresse de um cotidiano cheio de tecnologias, ele vive mais feliz e poderia viver nesse espaço verde e enorme durante muitos bons anos. Ele aparenta estar beirando a meia-idade, mas seu rosto redondo e corado esbanja mais saúde do que todos os quase vinte jovens que trabalham na sala com vista para o jardim.

Nenhum comentário: