sábado, 17 de julho de 2010

Arte e Sustentabilidade: Uma forma de vida

Como o uso da criatividade, inovação e cultura de raiz dentro da necessidade de comunidades pobres, podem aproveitar o que a natureza oferece e gerar renda.



Aldo Bizzocchi em seu livro Anatomia da Cultura já dizia que “é interessante notar que a busca do novo não implica a inovação absoluta: é sempre possível lançar um novo olhar sobre um velho objeto”. É o que artesãos no Brasil todo tem feito, encontrando no barro, na madeira ou em fibras de plantas a matéria-prima para peças originais e genuínas. Com traços regionais e muito pessoais, os artesãos encontram nas lições passadas de geração em geração uma forma de vida e de renda.


Surge uma questão interessante já colocada por Bizzocchi; será que alguém que nunca teve contato com artesanato ou trabalhos manuais poderia aprender a se tornar um artesão e sobreviver desta arte? Talento e aptidão são essenciais para este trabalho, assim como para qualquer outro, porém mais do que isso, é preciso ter força de vontade e naturalmente, criatividade, já que com ela se podem recombinar elementos já existentes. A diferença é que a escolha deles se faz pela necessidade. É isso que torna o artesanato de cada região tão único e a história destes trabalhadores numa verdadeira lição de vida.




Filhos da Terra Brasil



Em Peruíbe, litoral sul de São Paulo uma loja já se destaca por seu nome, Filhos da Terra Brasil, há seis anos apresenta o artesanato de várias regiões do país e dão prioridade àqueles que aproveitam matérias-primas descartadas e que não prejudicam a natureza. O local se tornou loja e oficina com Isabel Maria dos Reis, que é a responsável pelo espaço, e que junto com o marido artesão, vai em busca dos lugares mais distantes do país para trazer à cidade um pouco do trabalho de cada região. Com artesanatos de Minas Gerais, Tocantins, Pernambuco, São Paulo, Paraná, Bahia, Piauí entre outros estados, ela mostra as peças, explicando as características de cada artesão e como eles retratam a própria experiência de vida nas peças.


Dentro de uma infinidade de artesanatos, Isabel fala com carinho e orgulho das mulheres artesãs e suas premiadas Bonecas Noivas do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do país, em Minas Gerais. “As mulheres daquela região têm que viajar muitos quilômetros para encontrar o barro que elas precisam, é um barro diferente com cores que vão do tom marrom escuro até o branco, assim que elas o encontram, carregam em jarros pesados sobre a cabeça de volta para suas casas”, conta ela.


Isabel apresenta também o artesanato de outras regiões distantes do Brasil, como o de Caruaru, em Pernambuco, que retrata os retirantes, e o cotidiano do povo daquela região. E explica os diferentes materiais usados pelos artesãos como o capim dourado em Tocantins, a madeira da palmeira Jupati em Minas, a fibra de Carnaúba no Piauí, e a delicadeza e criatividade dos artesãos do Paraná, que criam mini-presépios feitos com palha de milho dentro de nozes, cabaças e pinhas. Além, é claro das flores decorativas feitas com palha de milho e folhas esqueletizadas em São Paulo e Minas.


Apesar do grande interesse dos turistas e decoradores que prestigiam o artesanato brasileiro, o setor encontra grandes dificuldades para crescer e se expandir. Os produtores são normalmente pessoas muito simples em lugares remotos do país, semi-analfabetos e sem recursos, dependem de instituições privadas e governos para divulgar seu trabalho, esse é o intuito do Sebrae e seus catálogos e livros, que contam a história de muitos destes artesãos e suas peças.


Porém, nada é muito fácil para esses trabalhadores, que encontram no transporte de suas obras um dos maiores desafios, “eles não têm recursos para a embalagem e transporte corretos, e muitas vezes metade da encomenda se perde durante a viagem, além de ser um risco, o gasto é muito grande”, diz Isabel. A loja Filhos da Terra Brasil adquire as peças diretamente dos artesãos e diferente de muitas empresas e instituições que pedem encomendas para eventos e exposições, criou um vínculo maior que cliente e fornecedor, “sabemos de seus problemas e sonhos, além de suas dificuldades, estas pessoas vendem suas peças hoje, mas precisam de dinheiro para ontem”, conta a responsável pela loja.


Basta uma volta pelo local para perceber que todas as peças têm uma etiqueta com o nome e região do artesão, cada um tem sua marca registrada. Além dos traços nos trabalhos, seus nomes também são divulgados, afinal o reconhecimento para eles é essencial. Reconhecimento também é o que buscam um outro grupo de artesãs na mesma cidade.

Mulheres de Fibra

Com ruas simples e empoeiradas, dentro do bairro Caraminguava, na cidade de Peruíbe, a dificuldade que vive a população não é segredo, mas poucos sabem da existência destas mulheres, que encontraram num salão abafado a esperança de uma vida diferente.

Um único ventilador quase não faz efeito dentro do salão pequeno com tantos teares espalhados, se misturando com peças já prontas e outras pela metade. É neste local, que cerca de 40 mulheres, entre 20 e 70 anos se encontram quase todos os dias para aprender sobre a fibra da bananeira.

A coordenadora do grupo Artesãs de Fibra, Viviane Bernarda de Oliveira, uma mulher grávida de quase nove meses nas vésperas de sua licença e mãe de mais duas meninas, explica que o projeto de geração de renda, subsidiado pela prefeitura municipal ainda não é oficial, apesar de funcionar desde 2006. E também não é uma cooperativa, já que precisa de uma estrutura básica para a capacitação das alunas e o tratamento correto das fibras.

As mulheres que normalmente freqüentam o curso saem prontas em quatro meses, mas muitas permanecem ao lado da coordenadora que trabalha há 17 anos com artesanato, para aprenderem mais sobre as técnicas. Viviane deixa claro que elas aprendem desde o começo, do corte do tronco e extração da fibra até os pequenos detalhes das peças produzidas, “não se pode pular as partes, o trabalho é passo a passo”. Ela conta sorrindo o que se pode ser feito com a fibra da bananeira, “tudo o que você imaginar”, e prova que tem razão quando mostra desde cortinas, luminárias, almofadas e até mesmo roupas em crochê, tudo confeccionado com fibra de bananeira.

Além de tudo isso, a fibra se tornou algo muito maior do que uma simples matéria-prima para peças de artesanato, se tornou a força que trouxe de volta à vida muitas mulheres. Com doações recebidas de regiões próximas, e com o caminhão emprestado pelo Departamento de Agricultura, estas mulheres vão para as plantações e carregam os troncos de bananeira nas costas, “assim elas aprendem até onde se pode cortar e a época exata do corte, para que possam nascer novos brotos, além disso, estes dias são muito divertidos”, conta a professora Viviane.

Diversão e distração são marcas registradas nas aulas, quando as mulheres deixam os problemas do lado de fora. O grupo iniciado como um trabalho social criou um vínculo como o de uma família, feitas de mulheres de fibra, que precisam cuidar da casa, dos filhos e maridos, e conseguir uma forma de gerar renda a partir do artesanato de fibra de banana.

Viviane explica que as oficinas são também um desafio, já que 90% das alunas nunca mexeram com artesanato ou trabalhos manuais e muitas delas não sabem ler ou escrever, no entanto o diferencial do acompanhamento das alunas começa na matrícula, quando é feita uma ficha e a partir dela e das primeiras aulas, a professora e coordenadora do curso encaminha as tarefas conforme seus talentos. Unindo sua experiência com as habilidades de cada uma, cada peça vai se formando conforme a criatividade coletiva das Artesãs de Fibra.

Entre as 150 mulheres formadas nas oficinas, poucas ainda trabalham com a fibra, o que mostra que o projeto está longe de ser o ideal. Há 9 meses como coordenadora contratada pela prefeitura, Viviane vê de perto as dificuldades que enfrentou anos atrás quando começou como umas das primeiras alunas do projeto, “nos adaptamos ao que temos, mas falta os materiais essenciais para produzirmos as peças”.

Como não é um projeto oficial, elas não podem receber apoio de outras empresas ou instituições, como o Sebrae, ficando completamente dependentes da ajuda da prefeitura, além de não terem como emitir um certificado, perdendo o principal referencial profissional, que é a carteira de artesão da SUTACO (Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades). As Artesãs de Fibra precisam de uma infra-estrutura maior para poder crescer com suas próprias pernas e quem sabe um dia, capacitar de forma correta estas mulheres para formar uma cooperativa independente.

A incerteza do futuro do projeto e de sua vida é claramente um assunto delicado para a coordenadora que conta emocionada, “minha vida se tornou a fibra”. Como o grupo perdeu há um ano seu box na praça principal, ela leva toda semana as peças para São Paulo para tentar vender e gerar alguma renda para as alunas. Viviane que mesmo ganhando uma bolsa de estudos, desistiu de fazer faculdade este ano, para se dedicar completamente ao projeto, não sabe o que será de sua vida e das Artesãs de Fibra depois do final de janeiro de 2010, quando acaba seu contrato.

Uma das alunas freqüentadoras do projeto há mais de um ano, Pascoala Arlete Teixeira Coelho, de 56 anos interfere indignada, “o projeto não pode acabar, o que se aprende aqui é pra vida toda”. Ela conta também a história de uma das alunas mais antigas que sofria de depressão e dependia de remédios, e que depois de começar as aulas se tornou uma pessoa mais alegre e livre da doença.

Em meio a estas mulheres, que assim como a fibra de bananeira, são fortes e resistentes, e que não veem neste projeto somente uma capacitação profissional, e sim uma terapia, e uma forma de vida e de dignidade, é possível perceber que o artesanato tem seus potenciais dentro do talento de mulheres espalhadas pelo Brasil, mas que assim como seu tamanho, os problemas são também de proporções continentais.

Portanto, a força da necessidade, munida de criatividade e muita inovação, fazem do artesanato brasileiro, uma cultura pela sustentabilidade e um exército de mulheres pela sobrevivência.

2 comentários:

viviani disse...

PAULA, OLÁ! ADOREI ACHAR SEU BLOG. SOU EU A VIVIANI DA SUA REPORTAGEM. PARABÉNS VC FOI CLARÍSSIMA NAS IDÉIAS E NA FORMA DE ME EXPRESSAR. MUITO OBRIGADA!

Unknown disse...

Oi, Paula. Gostei muito dos artigos. Eu faço parte de um grupo de artesãos ceramistas que fornece peças pra Isabel da Filhos da Terra Brasil. Convido vc a conhecer nosssa históri e nosso trabalho.
www.cleofasceramicas.com.br
http://vilabarrolo.blogspot.com.br